13° Capítulo

A única certeza que me cercava naquele momento era que Gabriel ainda ia se ferrar de verdade; ele não conseguiria se safar ileso mais muitas vezes. Entrei debaixo do chuveiro e tornei a pensar em Flávia; as marcas roxas em minhas costelas fraturadas só me traziam mais imagens do acidente e reforçavam a dor de saber que eu nunca mais iria sentir o cheiro da minha garota, nem seus lábios nos meus ou seu abraço sempre que ela tentava me colocar pra cima. Eu me controlava para não pensar que a culpa de Flávia não estar ali, naquele momento, comigo, era de Gabriel, mas o remorso dele já bastava como punição e ele sabia onde me encontrar se precisasse de uma amiga pra conversar. Mas essa era Anna, sempre altruísta, se preocupando demais com os outros e esquecendo que também tinha sentimentos. Eu precisava pensar em mim, sair desse buraco onde eu estava sem me afundar mais uma vez em pó. Acabou uma vez em tragédia, o que me faria imaginar que uma segunda vez seria diferente? Eu só estava mascarando meus problemas. Dessa vez eu não iria ficar me lamentando por Flávia, queria guardar uma imagem bonita dela, da coragem que ela tinha e tudo que ela havia me feito descobrir sobre mim mesma. Candice me ligou avisando que eles iriam jantar numa pizzaria e queria que eu fosse com eles, o que me parecia razoável, nem triste demais, nem alegre demais. Eu estava esperando, respondendo os emails da minha caixa de entrada que eu havia ficado sem ver durante todo o tempo em que estava no hospital.

- Annaaaa, como você mora looonge! Onde é o banheiro? Você não quer que eu vomite sua sala, toooda, né?

- Babi?! Como você sabe onde eu moro? Vamos, é por aqui! - eu estava indignada com a cena a qual presenciava.

- Eu fucei nas coisas da mamããaaae, oras. Aí descobri que era em frente ao prédio de um carinha que eeeu pegava!

- Babi, se ela não te matar, EU MATO! É bom que você tenha uma explicação muito boa pra me dar! E que tenha uma desculpa muito boa pra dar a mamãe! Como você vem pra cá? Sabe que ela me odeia!!!

Minha irmã abraçou a privada e ficou lá, parecendo que ia colocar até as tripas pra fora. Eu que nem me lembrava que tinha família, cuidando dela, bêbada. Eu merecia! Atirar pedra na cruz era pouco pra tudo que eu estava passando. E logo meus amigos chegaram.

- Eu não vou mais, não posso!

- Porque, Anna? Qual é? – perguntou Cabelo.

- Bom minha irmã chegou aqui agora pouco, ta bêbada lá no banheiro dando PT!

Brad e Cabelo ficaram na sala jogando videogame e Candice foi me ajudar a colocar Babi debaixo do chuveiro. Alguma coisa não estava normal naquele dia, eu estava com uma espécie de mal pressentimento. O corpo dela estava cheio de marcas estranhas, era bom que ela tivesse bons argumentos pra quando voltasse para o planeta Terra, porque eu tinha certeza de que ela não estava apenas bêbada, tinha algo mais na história; Gabriel havia sumido sem dizer nada, e Brad estava se comportando como um cara normal. E cuidar da minha irmã, significava problemas com a minha mãe.

- Onde você estava, Babi? Como bebeu tanto?

- Ahhhh, Anna, eu não vou te cooontar. Você vai bancar a dedo-duuuuro!

- Melhor deixar, Anna. Quem nunca tomou um porre?- disse Candice. - Agora vamos colocar ela na cama, amanhã ela vai estar bem. – Candy e eu a levamos para o quarto de hóspedes, com um balde ao lado, no caso de emergências.

- Ah... com licença, meninas... Anna, eu acho melhor ela tomar isso, senão vai vomitar até as tripas.

- Ahhh, Brad, valeuzão! Onde arrumou isso?

- A farmácia, peguei o carro e fui lá...

- Quem é esse gatoooo, Anna?! É seu namorado?

- NÃO, não é, Babi!

- Nossa, Annaaa! Não mente pra mim! Você só pega cara bonito, mas tem uma caaaara de lésbica! – Ora, se não era o fim? Minha irmã me fazendo esse tipo de pergunta na frente do Brad! Eu queria matar ela!

- Bom, Anna, nós temos que ir, o restante da galera está nos esperando e já estamos mega atrasados.

- É, estão mesmo! – disse Brad. – Podem ir, vou ficar aqui ajudando Anna com a irmã...

- Mas, Brad... Não precisa...

- Olha, Anna, é o mínimo que eu poderia fazer!

- Mas é você quem está dirigindo! – disse Candice.

- Então toma as chaves, vê se não vai beber!

- E depois você diz que não tem nada com ele, Annaa, sua mentirosaaa!

Babi finalmente dormiu e parou de me encher. Brad e eu pedimos comida chinesa e ele me atualizou das coisas que haviam se passado enquanto eu estava em coma. Eu não sabia se isso me doía ou me aliviava: Brad dormiu no sofá e eu na minha cama, sozinha. Pela primeira vez em tempos era como dois bons amigos que estávamos nos comportando e parecia que ao menos sob esse aspecto as coisas tomariam um rumo bacana. Quando acordamos, Brad foi até a padaria e trouxe o pão italiano que ele sabia que eu adorava.

- Você precisa trocar esse sofá, Anna! Acordei destruído de dormir nele!

- Se minha irmã não estivesse no quarto de hóspedes...

- A campainha... À essa hora?

- Deve ser o Gabriel, ele desapareceu daqui de casa ontem.

- Por favor, a senhorita Anna Bolonha? 

- Sim, sou eu.

- A senhora parece ter sido a última a falar com o senhor Gabriel Ribeiro. Viemos aqui em busca de algumas respostas, a senhorita vai ter que nos acompanhar até a delegacia!