Capítulo 18

E se eu simplesmente deixasse pra lá? Se eu resolvesse mudar pro interior, ou pro exterior e esquecer tudo isso? Se eu virasse pra esse traficante e declarasse "Dane-se, faça o que quiser. Estou seguindo, meu caminho e me deixe fora do seu lance com Gabriel". Eu poderia facilmente fazer isso se eu encontrasse uma Clínica Lacuna logo ali na esquina, a mesma clínica que em "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças" apagou todas as recordações da memória do personagem de Jim Carey. Não sei porque Clínica Lacuna não saia da minha mente enquanto eu estava naquele carro, com Gabriel em pleno desespero e Brad na mira de um revolver. Eu só queria esquecer aquilo tudo. Era minha obsessão naquele momento. Esquecer. Mas, eu sabia que eu não encontraria a Lacuna na próxima esquina, nem na outra e nem na outra... e era covardia esquecer Flávia, ou Brad. E era uma covardia maior ainda rejeitar Gabriel desse jeito, quando ele era a única ligação concreta, viva e forte que eu tinha com a minha Flávia. Era por isso, que eu nutria um carinho tão especial por esse imbecil. Porque ele significava muito mais pra mim, do que um dependente químico. Eu estava confusa. Eu queria salvar Gabriel dos seus próprios demônios. Chegamos num caixa eletrônico. Eu sabia que eu tinha o dinheiro que eu estava guardando pra visitar a mamãe, e eu não tinha escolha.

Gabriel dormiu em casa, depois de nos livrarmos desses caras. Ele estava assustado demais, por isso deixei meu longo sermão para a manhã seguinte. Depois que Flávia tinha morrido, ele era só auto-destruição. Tinha olheiras enormes embaixo dos olhos, seus braços estavam furados em todos os cantos e suas veias grossas. Dormindo tinha espamos de tempo em tempo, e estava tão magro que eu podia ver o osso do seu bíceps. Ele precisava de ajuda...

Pela manhã, acordei com Brad ao meu lado. Ele não me deixara só em nenhum momento nos ultimos dias, e estava tão tenso quanto eu. Eu sabia que ele me amava, agora. E bastou ter me perdido por um tempo pra enxergar o que eu representava pra ele. Deixei ele dormindo, e fui acordar Gabriel, no sofá. 

Sofá vazio. Minhas pernas ficaram bambas e eu vi que não ia suportar toda essa loucura outra vez. Nem os lençois estavam ali, e nenhum sinal de Gabriel. Um barulho na cozinha e uma voz:

-Preparei nosso café da manhã. Estava esperando você acordar, pra me acompanhar. Toma comigo?

Ele estava sorrindo, de banho tomado e cheirando a sabonete. Os olhos dele brilhavam pedindo piedade, como se transmitissem a frase "Por favor, diga que eu te agradei.". Ele também havia ficado dependente de mim depois que Flávia se foi. Essa ligação nós teríamos para sempre. Eu sorri de volta e disse:

-Espero que você tenha colocado bastante açucar, como eu gosto.

Depois de alguns minutos estávamos já dando risadas e lembrando do passado. Talvez tenha sido a necessidade de esquecer nossas ultimas horas que involuntariamente nos transformou em dois nostálgicos jovens. Falamos sobre reabilitação e uma vida nova. E Gabriel sonhava com seu novo apartamento, onde ficaria livre de todas as visitas desses traficantes porque estaria livre das drogas. Precisava que Brad visse isso. Fui até o quarto com uma xícara de café acorda-lo. Ele ainda estava do mesmo jeito que eu havia o deixado, sempre teve um sono pesado.  Beijei o rosto dele num "Bom dia, meu herói" e tudo o que eu senti foi sua pele na temperatura de um iceberg. A xícara se espatifou no chão e eu gritei por Gabriel. Ele apareceu:

-Agora seremos só você e eu, Anna. Para sempre, e nunca vamos nos separar não é?

E sorriu, com o mesmo brilho no olhar de quando me ofereceu o café.